
A construção de um edifício na rua Indianápolis, bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, é alvo de uma controvérsia judicial, sustentada por pareceres técnicos, contendo acusações de desconformidade com o Plano Diretor. Moradores dizem que a construtora responsável, a DeMello Incorporações, com sede em Xangri-Lá, no litoral Norte, teria cometido irregularidades na busca da concessão do empreendimento. A DeMello teria apresentado dados topográficos supostamente distorcidos, permitindo o licenciamento de um número maior de andares, de três, máximo permitido na área, para sete.
A diferença seria de conhecimento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), que permitiu sua continuidade. Assim, os moradores ingressaram judicialmente, com o Ministério Público do RS (MPRS) movendo uma ação civil pública no Tribunal de Justiça do RS (TJRS) contra a construtora e o município por uma suposta flexibilização da lei. Para agravar a situação, após o início da obra, um deslizamento de terra a partir do edifício em construção, após um temporal, atingiu casas vizinhas, destruindo e danificando pátios.
Em setembro de 2022, foi emitido o alvará de construção do edifício, com as supostas inconsistências apontadas já em janeiro de 2023. A Declaração Municipal Informativa de Ocupação e Uso do Solo (DMI) disponibilizado pela Prefeitura na ocasião apontava para uma altura máxima de nove metros, equivalente a três andares, mas, de acordo com laudo técnico do arquiteto e urbanista André Huyer, contratado pelos moradores, o projeto aprovado e licenciado foi de sete andares, ou 18,5 metros, sem contar o reservatório de água, com dois metros a mais.
Temporal em 2023 agravou situação
A diferença, segundo os moradores, ocorreu porque alterações nas cotas do terreno teriam elevado artificialmente a altura permitida. Pelo Plano Diretor atual, a distância vertical entre o ponto de partida do prédio e a inclinação original do terreno não pode ser maior do que quatro metros em nenhum ponto. O novo Plano Diretor, em discussão na Prefeitura, já prevê a altura máxima de 18 metros para empreendimentos na região. A construtora teria descrito o perfil do terreno como um platô, em vez de uma inclinação, como é o caso, permitindo, em tese, ganhar altura em relação ao solo.
Com isso, a diferença tornou-se superior a 5,50 metros, maior do que o permitido pela lei atual. O laudo técnico apontou ainda um licenciamento de 1992 feito na mesma área que apontava a real inclinação. “Houve uma falsificação do terreno”, resume Wladimir Omiechuk, diretor da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro Três Figueiras, e morador na rua De La Grange, atrás da Indianápolis.
Em 19 de maio de 2023, a juíza Andreia Terre do Amaral, da 3ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, acatou o pedido do MPRS e determinou a suspensão da licença administrativa e paralisação total da obra. Cerca de 15 dias depois, o engenheiro civil responsável pela obra alertou à Justiça sobre o risco de incidentes, e a mesma juíza, revogou a liminar parcialmente, autorizando uma contenção e o monitoramento do solo.
Duas semanas mais tarde, um temporal causou um deslizamento de terra a partir da obra, destruindo parte de pátios vizinhos, entre eles, o de Omiechuk. “Quando eu comprei a casa, eu queria a vista (da janela). Aqui nós temos esta, de uma área ampla da cidade. Mas, com a obra, que sol terei aqui? Vai ser uma casa insalubre, não vai ter ventilação cruzada, tem piscina e não vai poder usar”, comentou o morador. Procurado, o TJRS disse que o processo está na fase de produção de provas, aguardando a realização de perícia, e que o mesmo tramita em segredo de justiça atribuído pelo Ministério Público.
“Não há nada irregular”, diz incorporadora
O gerente executivo de DeMello, José Pedro Gomes, disse que o projeto está dentro das normativas técnicas, e que o MPRS tem acompanhado todo o processo. “Contestamos judicialmente todas estas questões apontadas. Estamos convictos de que os estudos feitos são apropriados e dizem respeito ao que existe no local”, ressaltou. De acordo com ele, todo o projeto foi fiscalizado pelo município diversas vezes. “Tanto que não foi uma aprovação tão rápida, mas está dentro das regras previstas pelo Plano Diretor e decretos estabelecidos pela Prefeitura. Não há nada irregular”.
A chuva de 2023 também rompeu uma tubulação do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) abaixo do solo, e, atualmente, os trabalhos são sustentados por uma liminar que permite a construção do empreendimento até o terceiro andar. “Concluímos a obra de estruturação da parede que segura o terreno dos vizinhos, de forma que ela tem, hoje, uma segurança de 100%, conforme nossos técnicos. Queremos resolver ainda algumas pendências desta comunidade para dar a conclusão ao prédio”.
O gerente da incorporadora disse ainda que a empresa mantém a transparência. “Sabemos que a evolução da cidade incomoda de certa forma, mas é um processo natural, principalmente para uma cidade que tem de se desenvolver. Buscamos a melhor relação possível (com os vizinhos). O episódio do desmoronamento, infelizmente, fugiu do nosso controle, mas temos buscado fazer tudo da forma mais correta possível”, comentou Gomes.
O que diz a Smamus
Em nota, a Smamus confirmou a aprovação do projeto conforme decretos municipais, e disse que o empreendimento “possui altura e volumetria em acordo com o Regime Volumétrico estabelecido para o imóvel”, de nove metros de altura máxima. “Foi realizada vistoria pela Unidade de Cartografia e Alinhamento, na qual constatou-se estarem todos os parâmetros topográficos utilizados para aprovação do projeto corretos”, acrescentou a Smamus.
Via Correio do Povo.