Retrofit como uma das respostas à crise habitacional em Porto Alegre

As enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul no mês de maio causaram profundos impactos ambientais, sociais e econômicos, ainda difíceis de serem completamente dimensionados. Um aspecto amplamente atingido foi o habitacional, visto que milhares de moradias foram invadidas pela água e parte delas foi permanentemente inviabilizada. 

Discorrendo especificamente sobre Porto Alegre, segundo levantamento da Prefeitura, cerca de 160 mil pessoas e 39 mil edificações foram afetadas nesse desastre, e a necessidade habitacional mapeada é de mais de 20 mil unidades. Um estudo do Observatório das Metrópoles evidencia que a população de baixa renda foi a mais impactada.

Em paralelo a isso, a região central de Porto Alegre apresenta um grande número de edifícios ociosos. De acordo com um levantamento da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-RS), em conjunto com incorporadoras parceiras, estima-se que existam pelo menos 150.000 m² em imóveis desocupados ou subutilizados no Centro Histórico, entre edifícios públicos e privados. Essas edificações existentes poderiam suprir parte da demanda por habitação ao passarem por obras de Retrofit. 

Retrofit é o processo de atualização dos sistemas de uma edificação, incorporando novas tecnologias, adaptando às normas atuais e prolongando sua vida útil. Essa prática é bastante recorrente na Europa e nos Estados Unidos, representando cerca de 70% da produção imobiliária em países como Holanda e Inglaterra, por exemplo. 

No Brasil, apesar do lento desenvolvimento no cenário nacional, o mercado de empreendimentos de Retrofit tem se destacado na cidade de São Paulo. Através do Programa Requalifica Centro, a prefeitura da capital paulista tem autorizado em média 1 obra de Retrofit a cada 18 dias. Esse programa engloba uma série de incentivos fiscais e urbanísticos, a fim de estimular a requalificação dos edifícios ociosos e, por consequência, revalorizar a região central. Em uma iniciativa mais recente, foram promovidos chamamentos públicos de subvenção econômica nos quais, se atendidos critérios específicos, a prefeitura de São Paulo cobre até 25% do valor da obra de Retrofit.  

No caso de Porto Alegre, onde há uma grande demanda emergencial por novas habitações após a tragédia climática, se mostra ainda mais relevante a oportunidade de reaproveitar estruturas já construídas, principalmente as que se localizam no Centro Histórico e seu entorno. Realocar a população vulnerável nessa área densa e consolidada é gerar mais oportunidades de acesso à cidade e tudo que ela tem a proporcionar, visto que é a região com mais infraestrutura de serviços e transporte. Desse modo, também evitam-se novas construções em zonas mais afastadas, que acarretariam mais área impermeabilizada e espraiamento urbano. 

É de extrema importância o reforço e a manutenção do sistema de proteção para que o desastre não se repita, mas além disso, é indispensável um planejamento para que o Centro Histórico, nossa maior referência simbólica e cultural, seja valorizado e não abandonado. Atrair moradias para essa região é peça chave nessa equação, mas isso deve ser executado de maneira estruturada. Já foram registradas ocupações de prédios tanto públicos quanto privados no bairro, o que pode ocasionar moradias precárias e inseguras, visto que as instalações dos edifícios mostram-se defasadas, principalmente as de proteção contra incêndio. 

O reaproveitamento de edifícios existentes proporciona diversas vantagens para a cidade e para as pessoas beneficiadas, porém vários obstáculos se apresentam nesse cenário. Entre os edifícios públicos há a lentidão e burocracia dos trâmites necessários nesse momento de urgente demanda, além da dificuldade de adaptação da tipologia comercial (com plantas profundas e peles de vidro) para habitação. Entre os prédios privados, as principais dificuldades são os altos custos de transação e a especulação imobiliária, ambos os quais elevam o valor dos edifícios. Nos custos de transação, destacam-se a dificuldade de negociação em imóveis com vários proprietários e os entraves jurídicos (como heranças, espólios e falências). Nesse contexto, o município deve agir na fiscalização de pagamento do IPTU, podendo-se valer de ferramentas legais já existentes, como alíquota progressiva ou até desapropriação, a fim de garantir que se cumpra a função social da propriedade.

Nesse complexo cenário, a questão principal é: como viabilizar o Retrofit desses imóveis ociosos e os destinar à população afetada pela enchente? 

Considerando a morosidade no caso dos edifícios públicos, um possível ponto de partida seria a disponibilização de incentivos para que o setor privado desenvolva empreendimentos de Retrofit, para que parte da demanda seja atendida num período mais curto. 

Em 2021, a Prefeitura de Porto Alegre promoveu o Programa de Reabilitação do Centro Histórico a partir da lei 930/2021, que conta com incentivos urbanísticos a fim de estimular mais investimentos privados na área. Desde então, não houve muitos empreendimentos que aderiram ao programa e, diferentemente do caso de São Paulo, a lei porto alegrense não demonstra um foco em reaproveitamento de edificações existentes. Uma das alternativas para avançar na densificação habitacional do Centro seria complementar a legislação de Porto Alegre com iniciativas já em vigor em São Paulo, voltadas para o Retrofit, de modo a incentivar o setor privado de maneira mais efetiva à produção de unidades habitacionais. Na capital paulista, desde o início do Programa Requalifica Centro, foram 14.378 unidades de Habitação de Interesse Social licenciadas na área de intervenção. 

Via Caos Planejado.

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